sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Pecados Capitais

Tinha preguiça de levantar da cama. Não sabia porque seus olhos pesavam tanto... E, num piscar, a porta da vizinha era uma massa folhada de doce de leite. Alguém sugeriu que ele apertasse a campainha e obtivesse o consentimento da pessoa que supostamente lavava a louça. Só que arrancar uma lasca e sair correndo foi muito mais gostoso. Se lambusou. Lambeu os dedos. Perguntou-se qual era o segredo pro lance não se esparramar no chão. 

Sentou-se à mesa do jantar da grande família, mas daquela gente só conhecia ela. Tocou-a por debaixo da mesa e logo pôs-se a comê-la. Para disfarçar, ela cortava pedaços da carne de cordeiro e aproveitava as pausas para levá-los à boca. Ninguém parecia perceber ou dar importância ao que estava acontecendo enquanto a mesa tremia. Todos seguiam degustando seus cuscuzes marroquinos, até que uma das taças caiu, derramando o vinho. 

Quando o velhinho da cabeceira levantou-se indignado e ameaçou-o com a bengala, sentiu o sangue subir à cabeça e, ainda com as calças abertas, virou a mesa e saiu. Andou pelas ruas exibindo toda a vaidade que lhe escapava pela braguilha.

A cabeça de cima não andava ajudando muito devido a problemas recorrentes de amnésia alcoólica.  Passou a invejar artistas, intelectuais e gourmets, surrupiou suas preciosas memórias e trancafiou-se no seu castelo. Não sabia porque seus olhos pesavam tanto...

  

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Carne de Pato

Acordou com ele lhe pedindo gelo. 

 - Hein?
 - É que...dormi com aquele Clorets que você me deu e... bem, ele grudou na fronha.
 - Ah!

Ela tentou não pensar que estava hospedada na casa de uma amiga. Afastou do seu pensamento a recordação do dia em que a anfitriã lhe afirmava que estava inaugurando o lençol novo, presente da mãe. Respirou fundo, dirigiu-se ao freezer, destacou alguns cubos e alcançou ao rapaz tatuado.

Tentou não achar patético vê-lo esfregar o travesseiro. Lembrou-se do show, da banda e de que ele tocava guitarra pra caralho. Quando ele entrou na sala puxando as costeletas, teve pena. Mas, ao perceber que ele arrancava pêlos da cabeça, dos braços, do peito, das coxas e das mãos não pôde conter o riso. (Será que ele dormiu com o chiclete ou refestelou-se numa cera depilatória? - pensou).

Constrangido, ignorou a gargalhada e perguntou se poderia tomar um banho. OK. Ela alcançou-lhe uma toalha e avaliou os estragos na roupa de cama. Quem é que disse que pedra de gelo funciona? A internet. Calculou os gastos com a lavanderia e balanceou os acontecimentos da noite. Sentiu raiva. Respirou fundo. Passou.

Ele devolveu a toalha, falou que estava com fome e avisou que era vegetariano. Não percebeu a ruga na testa da garota e ligou a televisão. Ela, não muito adepta ao futebol, perguntou-se quem era aquele time que jogava contra o PT. Sem saber a diferença entre bandeiras de partidos políticos e do Altético Mineiro, seguiu desinteressada até o banheiro.

Não conteve a supresa ao entrar no recinto molhado por todos os lados. Estava difícil de compreender como a pessoa tinha conseguido jogar água até mesmo nas paredes e no teto. Olhou para o paninho enroladinho na porta e, decidida, interrompeu o ápice dos dedilhados que o rapaz fazia no violão. Correu-o porta afora e disse que não dispunha de beringelas para o almoço. Ora!

Queria comer seu fígado, mas preferiu o restaurante de esquina e o prato do dia: pato ao molho de hortelã.




sábado, 21 de novembro de 2009

GALOCHAS DE BORRACHA não molham OS PÉS

Já vi Festivais de Rock que são exemplo de civilidade. Cangas estendidas no chão, galera se respeitando, um pelado que corre no meio das pessoas dando flicks. Tudo dentro da normalidade. 

Esses dias participei de um no anfiteatro de uma capital alegre. A princípio me supreendi com o nível europeu da coisa, apesar de a grama estar mais pro barro. (E do formato 'isopor ambulante' com que se vendia cerveja). 

Em algum momento percebi que não seria possível balançar o esqueleto em nome da boa música sem que o tiozinho bêbado e sem dentes se postasse na minha frente e tentasse me tirar pra dançar. Desisti e preferi conversar com a minha gelada (!). Até que ...  veio a hora dos patrocinadores. Mas que saco!

Primeiro, algum deles teve a idéia estúpida de promover sua marca lançando uma bola gigante e pesada nas nossas cabeças. Desse energético jamais beberei (a não ser quando eles distribuíram umas amostras ali). Sei que fugi o quanto pude daquele monstrengo cheio de ar, defendendo minha bebida com unhas e dentes. 

Enquanto isso, o trambolho rolou por aí, destruindo guarda-chuvas, derrubando velhinhos miopes  breacos, recebendo xingamentos e caindo em buracos dos quais só um mínimo de dez homens fortes conseguia reerguê-lo. Até que recolheram o elefante branco pra hora do parabéns (aniversário de uma rádio alternativa).

E aquele monte de promotor e radialista  entra no palco 'vestindo a camiseta'. Pior eram aquelas pilhas de banderinhas azuis e vermelhas com o símbolo da empresa flamulando a fim de representar a união dos dois times rivais da cidade. Que coisa mais ultrapassada e 'hooligan' essas referências a futebol. Quem é que ainda se importa com isso?

De repente, senti um ligeiro contentamento. Acho que foi porque as velinhas superpotentes do bolo ameaçaram queimar as bandeirolas vermelhas.  Seria hilário se isso tivesse acontecido, contanto que não fossem as azuis. 

Depois de horas de blá, blá, blá e 'no music' tudo ficou na santa paz e as bandas voltaram a tocar. A chuva aumentou. Alguns permaneceram firmes e fortes, outros correram pro teto VIP. Eu, com minhas galochas de borracha, olhei com desdém praquele povo desprevenido. Ha ha ha! Segui meus passos 'singing in the rain' com os pezinhos secos até escorregar e enlamaçar a butzen. Pelo menos a pizza e a espumante foram de graça ... será que isso justifica minha dor de cabeça?

sábado, 7 de novembro de 2009

Óbito

Quando tentei entrar e pronunciei o nome, obtive em resposta a pergunta: "óbito?". Não é de agora que a verdade soa vil e irreal. Na primeira cena do filme, os flocos de neve. No velório, as lágrimas da chuva. De um lado, o triste e incrédulo em depressão. Do outro, a esperança nunca morre. Fé em Jesus "amém!" digladiando com o Anticristo na minha cabeça. Pés que caminham na areia presos a correntes. Eu, luto. 

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Dias Felizes

Qualquer cheiro de cânfora é uma viagem nostálgica às massagens nos pés. Em segundos, vejo os malabares pirofágicos e sinto o conhaque na garganta. O filhote que me confunde com uma parede de escalada me remete àquele que encontrei numa caixa de papelão em tempos de Fórum Social Mundial. Nem tudo estava resolvido e nem era essa minha preocupação. Vida mais leve e mais doce. Tenho sonhado com dias felizes, com a piscina de plástico, com a vitrola portátil, com o mofo nas paredes coloridas, com o ranger do assoalho e com o coração cheio. Será por causa do meu vazio? Da picanha, da maminha ou do coxão de dentro?

Barulhos Noturnos

Todos os dias no 7 às 7. Consigo 5 dias de sol, um carro arranhado, uma bunda de fora na saída do banheiro químico, um gato doente e outro cagado. 

Errei. Esqueci que neste caso o São Jorge era tão importante quanto o São Pedro. Permaneço com minhas chagas abertas e com meus amores entre o fel e o mel. Então, conto até 10.

E morta de cansaço, me reviro na cama com arranhões no pescoço. A culpa é dos miados dos felinos que habitam os telhados alheios. Ou será o bebê chorando a falta do leite? Nunca sei qual é qual.

O mesmo acontece com os gemidos do casal que mora acima. Quando já estou estarrecida com a duração do ato, começo a me perguntar se não são as pombas gorjeando.