quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Dialética II

Não. Ele até que não era antipático. Ao contrário, o marido da enfermeira louca era até bastante solicito. Ofereceu carona para que buscássemos o lanche da tarde e uma bombona nova. 

Entrei no carro. Botei o cinto.

 - Pra que isso, guria? Não confia em mim? - disse ele apertando o botão e retirando o (meu) cinto.

Medo.

No caminho, fiquei um pouco constrangida com a teia de elogios que ele ergueu à minha pessoa seguida de 

 - Tu viu, né? Minha mulher não é ciumenta.

Mais essa agora...cortei.

 - A questão é que eu é que não gosto de interferir em relacionamentos alheios.

 - Claro...é...mas não to dizendo nada demais né...só que tu é uma mulher bonita e...

Parou o carro. (ain...help!) 

 - Só vou pegar a água aqui.

Baixou o (meu) vidro, e, se escorando por cima de mim, pôs-se a chamar o vendedor.

(Tá bom aí, queridinho?)

Seguimos e ele me conta como conheceu a esposa. Me fala que é mestre de obras (não confunda a obra do mestre Picasso com...), que está na cachaça desde de manhã (ah!) e que por pouco não correu todo mundo do set (oi?).

E lá vamos nós (outra vez). 

De 1 a 10, qual a probabilidade do ator do meu elenco ter tido um caso com a dona da casa?

Horas de desabafo depois, retornamos.

 - Conversamos melhor a sós mais tarde?

 - Bah, que pena! Mil coisas pra resolver no set...hehe

Escolhendo locações assim, viro PHD na arte do discurso. 

 

Dialética I

Talvez a enfermeira louca não estivesse esperando que sublocar sua moradia para o cinema significasse ver suas paredes cobertas de pó de café; seu quarto, de lixo, e sua mesinha da TV, de vermes. Prometemos que tudo voltaria ao normal ao fim da filmagem, mas já no segundo dia ela se recusou a nos deixar entrar.

Lá vou eu. Após 1h, consigo a liberação sem sequer imaginar que passaria o dia todo exercendo meu poder dialético. Sim. Ela queria atenção. Sim. Ela tinha muitas opiniões acerca de como a filmagem deveria estar sendo feita. Não. Ela não compreendia porque aqueles 'jovenzinhos' não ouviam o que ela tinha a dizer. Afinal, ela havia estudado enfermagem na África (uau!) e sabia muito melhor do que eles o que eles tinham que fazer ali.

Respiro fundo pra conter o riso.

 - Olha, Dona Efigênia, sabe como é, eles são muito jovens, impetuosos e arrogantes. Mas me conte mais (suspiro) tenho a certeza de que o diretor vai gostar de suas idéias (aham!). Fala pra mim que eu repasso tudo pra ele.

- Logo se vê que você entende mesmo do assunto. Veja bem, por exemplo, porque e menina fica cantando vestida, chorando dentro da banheira. Isso não é coisa de gente certa...

- É que Bárbara está deprimida, Dona Efigênia...

- Ah! mas vocês deveriam fazer uma comédia...ninguém gosta  dessas coisas tristes

E lá vamos nós. 

Passamos o dia todo conversando, inclusive durante o almoço e, depois, seguimos sentadas na cama que ela armou na banheira enquanto rodávamos no quarto. Já cansada, peço licença para providenciar o lanche da tarde e mais água pra equipe.

- Olha, menina! Aproveite que meu marido vai ter que sair e pegue uma carona!

Confesso que nem havia percebido a presença do cara. E até que não me pareceu uma má idéia, visto que, nessa produção independente, o responsável pelo transporte quase chorava toda vez que tínhamos que sair com o carro e pedia mais e mais gasolina.

- OK.

E eu que achei que minha dialética já havia atingido o ápice... 

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Borracha en la Playa

Esta noite vi a lua de perto com o impulso da cápsula. Bebendo assim, posso acabar como a Estamira. 'Alô, alô, Terra chamando Exú'. Mas, pra não perder o costume, me atiro na beira e já rebato a ressaca com a 'caipa' que trouxe na leiteira da pousada (espero que os demais não queiram tomar café com leite quando acordarem).  

Dois cachorros disputam um tronco enorme e não dão sossego aos visitantes do quiosque, onde deito para fugir do sol e descubro um drink maravilhoso de rum, limão e manjericão que vai entrar pro hall da jacaroagem. Certamente. 

E os cuscos seguem latindo, arranhando a perna dos turistas no desespero pra que alguém atire o bagulho longe de novo. Cada um que passa perto é o próximo Cristo. Eu, já desde manhã cedo na praia, sou uma das que se diverte com a cena hilariante. O labrador percebe minha complacência e deita-se ao meu lado de barriga pra cima. 

Não sei porque os cachorros me perseguem. Nas areias uruguaias, vulcânicas gregas, nordestinas bucólicas. Dentro do carro, no banco do carona. Parece que o lance é comigo. Devem sacar minha simpatia "modesta". 

Pois é. Acho que serei obrigada a sair da minha inércia e exercitar meus bracinhos atirando o semi-tronco longe pro meu mais novo amigo aqui me trazê-lo de volta. Quem sabe assim ele não me paga mais um daikiri já que meu dinheiro acabou. Hic, hic! Fui! 






terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Receita de uma Divina Comédia

Crie uma  base 
À La Muhamed
Abra as janelas
E libere a mesa para os coquetéis

Receba sua homenagem
Erga o volume
Liberte seu clown
Num brinde à lissergia
E encha as taças com risadas

Derreta no tapete
Mas não deixe de posar para a foto
Perca o céu dentro de casa
Substitua os aplausos por estalar de dedos
E no dia seguinte 
Repare nos hematomas 
E retire a louça suja de dentro do armário


sábado, 19 de dezembro de 2009

Bizarrices de um Trabalho Sórdido ou Trabalhices de um Sarralho Bizórrido

Calculo que dormi 2h em 2 dias. Troco os cataventos e algodões doces pelo arame farpado e acordo de madrugada com medo de perder os origamis na chuva.

Os sabiás me brindam merda! 2 vezes. Fico na dúvida se é um desejo de sorte ou uma vingança em nome de todos os passarinhos que assassinei na infância. E, aliás,  sem entender porque a porta não fecha, também quase mato o gato. 

Me mandam quebrar a perna e acabo com uma espica no halux. E enquanto o quinto não segura a ovelha (que cena memorável!) e os risos ficam presos no nariz, os outros quatro me pedem em casamento. Será que a sordidez masculina começa aos 10? (Nossa que forte isso...mas combina com o título...)

De volta à civilização, busco baixar a adrenalina e sigo os conselhos da negra. Me dirijo ao centro em busca do senhor que vende lexotan a um real. Localizo-o com dificuldade em meio aos demais gritos de Fabricalcinha e Cortacabelo, mas finalmente o encontro. 

Quando chego mais perto, me deparo com abanadores made in China e descubro que são os leques que só tão um real. Só me resta a cachaça...

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Pecados Capitais

Tinha preguiça de levantar da cama. Não sabia porque seus olhos pesavam tanto... E, num piscar, a porta da vizinha era uma massa folhada de doce de leite. Alguém sugeriu que ele apertasse a campainha e obtivesse o consentimento da pessoa que supostamente lavava a louça. Só que arrancar uma lasca e sair correndo foi muito mais gostoso. Se lambusou. Lambeu os dedos. Perguntou-se qual era o segredo pro lance não se esparramar no chão. 

Sentou-se à mesa do jantar da grande família, mas daquela gente só conhecia ela. Tocou-a por debaixo da mesa e logo pôs-se a comê-la. Para disfarçar, ela cortava pedaços da carne de cordeiro e aproveitava as pausas para levá-los à boca. Ninguém parecia perceber ou dar importância ao que estava acontecendo enquanto a mesa tremia. Todos seguiam degustando seus cuscuzes marroquinos, até que uma das taças caiu, derramando o vinho. 

Quando o velhinho da cabeceira levantou-se indignado e ameaçou-o com a bengala, sentiu o sangue subir à cabeça e, ainda com as calças abertas, virou a mesa e saiu. Andou pelas ruas exibindo toda a vaidade que lhe escapava pela braguilha.

A cabeça de cima não andava ajudando muito devido a problemas recorrentes de amnésia alcoólica.  Passou a invejar artistas, intelectuais e gourmets, surrupiou suas preciosas memórias e trancafiou-se no seu castelo. Não sabia porque seus olhos pesavam tanto...

  

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Carne de Pato

Acordou com ele lhe pedindo gelo. 

 - Hein?
 - É que...dormi com aquele Clorets que você me deu e... bem, ele grudou na fronha.
 - Ah!

Ela tentou não pensar que estava hospedada na casa de uma amiga. Afastou do seu pensamento a recordação do dia em que a anfitriã lhe afirmava que estava inaugurando o lençol novo, presente da mãe. Respirou fundo, dirigiu-se ao freezer, destacou alguns cubos e alcançou ao rapaz tatuado.

Tentou não achar patético vê-lo esfregar o travesseiro. Lembrou-se do show, da banda e de que ele tocava guitarra pra caralho. Quando ele entrou na sala puxando as costeletas, teve pena. Mas, ao perceber que ele arrancava pêlos da cabeça, dos braços, do peito, das coxas e das mãos não pôde conter o riso. (Será que ele dormiu com o chiclete ou refestelou-se numa cera depilatória? - pensou).

Constrangido, ignorou a gargalhada e perguntou se poderia tomar um banho. OK. Ela alcançou-lhe uma toalha e avaliou os estragos na roupa de cama. Quem é que disse que pedra de gelo funciona? A internet. Calculou os gastos com a lavanderia e balanceou os acontecimentos da noite. Sentiu raiva. Respirou fundo. Passou.

Ele devolveu a toalha, falou que estava com fome e avisou que era vegetariano. Não percebeu a ruga na testa da garota e ligou a televisão. Ela, não muito adepta ao futebol, perguntou-se quem era aquele time que jogava contra o PT. Sem saber a diferença entre bandeiras de partidos políticos e do Altético Mineiro, seguiu desinteressada até o banheiro.

Não conteve a supresa ao entrar no recinto molhado por todos os lados. Estava difícil de compreender como a pessoa tinha conseguido jogar água até mesmo nas paredes e no teto. Olhou para o paninho enroladinho na porta e, decidida, interrompeu o ápice dos dedilhados que o rapaz fazia no violão. Correu-o porta afora e disse que não dispunha de beringelas para o almoço. Ora!

Queria comer seu fígado, mas preferiu o restaurante de esquina e o prato do dia: pato ao molho de hortelã.




sábado, 21 de novembro de 2009

GALOCHAS DE BORRACHA não molham OS PÉS

Já vi Festivais de Rock que são exemplo de civilidade. Cangas estendidas no chão, galera se respeitando, um pelado que corre no meio das pessoas dando flicks. Tudo dentro da normalidade. 

Esses dias participei de um no anfiteatro de uma capital alegre. A princípio me supreendi com o nível europeu da coisa, apesar de a grama estar mais pro barro. (E do formato 'isopor ambulante' com que se vendia cerveja). 

Em algum momento percebi que não seria possível balançar o esqueleto em nome da boa música sem que o tiozinho bêbado e sem dentes se postasse na minha frente e tentasse me tirar pra dançar. Desisti e preferi conversar com a minha gelada (!). Até que ...  veio a hora dos patrocinadores. Mas que saco!

Primeiro, algum deles teve a idéia estúpida de promover sua marca lançando uma bola gigante e pesada nas nossas cabeças. Desse energético jamais beberei (a não ser quando eles distribuíram umas amostras ali). Sei que fugi o quanto pude daquele monstrengo cheio de ar, defendendo minha bebida com unhas e dentes. 

Enquanto isso, o trambolho rolou por aí, destruindo guarda-chuvas, derrubando velhinhos miopes  breacos, recebendo xingamentos e caindo em buracos dos quais só um mínimo de dez homens fortes conseguia reerguê-lo. Até que recolheram o elefante branco pra hora do parabéns (aniversário de uma rádio alternativa).

E aquele monte de promotor e radialista  entra no palco 'vestindo a camiseta'. Pior eram aquelas pilhas de banderinhas azuis e vermelhas com o símbolo da empresa flamulando a fim de representar a união dos dois times rivais da cidade. Que coisa mais ultrapassada e 'hooligan' essas referências a futebol. Quem é que ainda se importa com isso?

De repente, senti um ligeiro contentamento. Acho que foi porque as velinhas superpotentes do bolo ameaçaram queimar as bandeirolas vermelhas.  Seria hilário se isso tivesse acontecido, contanto que não fossem as azuis. 

Depois de horas de blá, blá, blá e 'no music' tudo ficou na santa paz e as bandas voltaram a tocar. A chuva aumentou. Alguns permaneceram firmes e fortes, outros correram pro teto VIP. Eu, com minhas galochas de borracha, olhei com desdém praquele povo desprevenido. Ha ha ha! Segui meus passos 'singing in the rain' com os pezinhos secos até escorregar e enlamaçar a butzen. Pelo menos a pizza e a espumante foram de graça ... será que isso justifica minha dor de cabeça?

sábado, 7 de novembro de 2009

Óbito

Quando tentei entrar e pronunciei o nome, obtive em resposta a pergunta: "óbito?". Não é de agora que a verdade soa vil e irreal. Na primeira cena do filme, os flocos de neve. No velório, as lágrimas da chuva. De um lado, o triste e incrédulo em depressão. Do outro, a esperança nunca morre. Fé em Jesus "amém!" digladiando com o Anticristo na minha cabeça. Pés que caminham na areia presos a correntes. Eu, luto. 

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Dias Felizes

Qualquer cheiro de cânfora é uma viagem nostálgica às massagens nos pés. Em segundos, vejo os malabares pirofágicos e sinto o conhaque na garganta. O filhote que me confunde com uma parede de escalada me remete àquele que encontrei numa caixa de papelão em tempos de Fórum Social Mundial. Nem tudo estava resolvido e nem era essa minha preocupação. Vida mais leve e mais doce. Tenho sonhado com dias felizes, com a piscina de plástico, com a vitrola portátil, com o mofo nas paredes coloridas, com o ranger do assoalho e com o coração cheio. Será por causa do meu vazio? Da picanha, da maminha ou do coxão de dentro?

Barulhos Noturnos

Todos os dias no 7 às 7. Consigo 5 dias de sol, um carro arranhado, uma bunda de fora na saída do banheiro químico, um gato doente e outro cagado. 

Errei. Esqueci que neste caso o São Jorge era tão importante quanto o São Pedro. Permaneço com minhas chagas abertas e com meus amores entre o fel e o mel. Então, conto até 10.

E morta de cansaço, me reviro na cama com arranhões no pescoço. A culpa é dos miados dos felinos que habitam os telhados alheios. Ou será o bebê chorando a falta do leite? Nunca sei qual é qual.

O mesmo acontece com os gemidos do casal que mora acima. Quando já estou estarrecida com a duração do ato, começo a me perguntar se não são as pombas gorjeando. 


quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Transições

Salvem minhas mãos
Trancem meus cabelos
Aqueçam minha boca
Prendam minha respiração
E soprem meu pescoço
Balancem o meu ventre
Conservem meu sorriso 
E lambam os meu pés

Soprem meus cabelos
Prendam minha boca
E trancem minha respiração
Lambam meu pescoço
Balancem minhas mãos
Conservem meu ventre
Aqueçam meus pés
E salvem meu sorriso

Aqueçam meu sorriso
E prendam minhas mãos
Trancem meu pescoço
Salvem meus cabelos
E balancem meus pés
Lambam meu ventre
Conservem minha respiração
E soprem minha boca

Trancem meu ventre
Aqueçam meus cabelos
E salvem meu pescoço
Lambam minha respiração
Prendam meu sorriso
Balancem minha boca
Soprem meus pés
E conservem minhas mãos

terça-feira, 20 de outubro de 2009

O Sumiço Total

Negociar com São Pedro consiste em uma tarefa árdua. Cada dia que ganho corresponde a um dia que perco. Às vezes seria bom por demais ir comprar cigarros e nunca mais voltar. Todavia tenho a impressão de que tal pragmatismo só rola pra quem tem um algo a mais entre as pernas (por mínimo que seja). Pode ser cruel, mas, convenhamos, é infinitamente mais fácil. E  já que o bobo é que é feliz, uma opção seria viver a vida como uma eterna criança. O que, a propósito, me remete a uma dúvida existencial: quem foi que inventou a "geleinha"*?

* é aquela meleca, gelada que as crianças ficam atirando pra cima, deixando cair no chão, botando na boca pra tentar fazer balão porque diz que não é tóxico e acabam pegando sapinhos

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Gosto de Cereja

Estávamos todos atirados em torno da piscina, cada qual no seu colchão. Percebo um vazio repentino. Presumo que a galera foi atrás de alguma "coisa". A casa não é minha. Pra onde vou e o que faço agora? Dos que restam, não conheço nem os pêlos. Localizo uma conversa. A menina de biquini oferece ao diretor seu jogo de lentes "rabo de peixe" e o monitor "LSD" pra preencher as lacunas da lista de equipamentos. Isso me lembra alguma coisa. Um plano bem sucedido revisto no video assist provoca uma euforia coletiva deliciosa. Mas prefiro as cerejas frescas àquela conversa. Penso que o caleidoscópio é infinitamente mais belo e poético que aquele programa chato da televisão. Recorro ao erotismo do Gutiérrez e quase posso sentir o ritmo da salsa palpitando nas artérias e o cheiro másculo das cigarrilhas do meu precioso cubano. O Caribe me cairia como um luva, mas o rompante da manada hippie adentrando pela porta da garagem com as línguas para fora e os papéizinhos coloridos desmancha o castelo de areia que ergui no ar. Saio pela tangente, subindo as escadas, de cabeça para baixo, rumo ao teto. Desafio a Lei da Gravidade e ali está a saída. 

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Bittencourt

Ele era meio maluco e, já que suas protuberâncias não o favoreciam, evitava fornicações. Descontava sua impotência seduzindo garotinhas, sem antes garantir que era único em suas vidas. Mas, na verdade, transar mesmo, só com putas.

Incapaz de satisfazer as mulheres, servia-se das mais variadas desculpas para evitar o sexo. Aproveitava para desviar-se de suas responsabilidades nos momentos mais inesperados. E foi assim que, um dia, conheceu uma latina esguia, que fumava em frente à loja de conveniência.

Passaram a noite ouvindo rock e bebendo Guiness. Ficou fascinado. Desde então, encontravam-se todos os dias. Percebeu que ela era mais lasciva do que ele podia imaginar e teve medo. Não quis beijá-la antes que ela dispensasse o namorado. Ela prometeu que ia pensar.

Mesmo sem resposta, passaram a tarde seguinte derretendo no sofá da sala, efeito provocado por um chá típico, cujo conteúdo, magical mushrooms, pode ser obtido em qualquer esquina da Oxford St. Nevava, mas as calefações permitiam que os presentes estivessem com pouca roupa e que os lábios dela estivessem mornos quando tocaram os dele.

O dia passou voando, e eles tiveram que buscar mais cerveja. Já à noite, com as risadas mais controladas, decidiram recorrer a um pub. Levou seus convidados estrangeiros a um local que frequentava sempre. Fazia pouco tempo que eles haviam chegado à cidade e, por isso, nem sequer entendiam a diferença entre Queen's Park, Kilburn e Kensal Rise. Mas isso não importava. Por mais bêbado que estivesse, saberia o caminho de volta.

Em frente ao balcão de pints, Bittencourt evitava abraçá-la. Em público, isso era constrangedor demais para ele. Durante a conversa, ele se sentiu egoísta. Precisava fazer alguma coisa a respeito. Foi tomado por uma vontade súbita de gritar e subiu em cima da mesa, num brado retumbante:

 - Everybody, listen to me! You're all selfish!

E assim permaneceu enquanto as pessoas iam, aos poucos, abandonando o recinto. Já do lado de fora, anunciou que precisava avisar a todos o quanto todos eram egoístas. Saiu correndo abandonando os novos amigos no meio do nada. Eles dariam um jeito, afinal, ele tinha uma missão a cumprir: acabar com o egoísmo alheio.



O Homem do Gás III

Estou ficando especialista em tomar bolos. Faxineira, encanador, técnico em informática, etc. Nada pessoal. Acho que vou deixar de cumprir minhas promessas pro mundo ficar mais justo. Mas tem uma pessoa que não me esquece.

Após uma noite tórrida de amor, cercada por filmes franceses ("Oui, quand je t'embrasse, ça passe..."), passo por um dia repleto de reuniões. Recebo um amigo para um café e aguardo o próximo encontro de trabalho. Toca o interfone. 

 - Sim?
- Sou eu!
 
Estranho, porque ainda falta uma hora pro horário combinado. Mas só pode ser ele. Aperto o botão que libera a porta. Desta vez, não me contenho.

 - Você? De novo?
 - Estava passando aqui na frente e...

Perco a classe.

 - Rodrigo - quase íntimo já -  o que você está fazendo aqui?
 - É que...vim te avisar que você esqueceu de pagar o gás.
 -  Ah! Ok, mas você não tem meu telefone? Por que não me ligou?
 - É...

Pego o telefone, efetuo o pagamento e deixo avisado que quando eu precisar de reposição, eu aviso!  De volta ao problema em questão:

 - Gostaria que você parasse de ficar "aparecendo" todo dia na minha casa.
 - Como é que é?

Como, como é que é? 

 - O que foi que você disse?
 - Que gostaria que você não batesse todas as noites na minha porta. 
 - Tá bom. Só vim te avisar que...
 - Ok. Estamos entendidos. Boa noite.

 Ele ficou realmente surpreso de eu não ficar feliz em revê-lo. Eu morro, e não vejo tudo.

Amor Metafísico

O amor metafísico 
Beira ao ridículo
É o que me diz
O novo fascículo

Melhor sublimar
Do que andar em círculos

E o resto é piada

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O Homem do Gás II

Mais tarde, na locadora, eu em busca de um encontro com meu mais novo amante, Louis Garrel, quando recebo um telefonema de um número desconhecido.

 - Oi. 
 - Quem é?
 - Rodrigo, da Liquigás.
 - ...
 - Me dá teu msn.
 - Oi?
 - Tô aqui na frente do computador.
 - Ah! E eu estou na locadora tentando alugar um filme.
 - Ah! Então, me dá teu msn.
 - Olha, acho que não estou a fim de te dar meu msn.
 - Ah! Então me manda por mensagem.

Hello? 

 - Seguinte: não vou te dar meu msn, ok?
 - Entendi. Te mando o meu então por mensagem. Aí tu me adiciona.

Qual parte ele não entendeu?

 - Aham. Vou desligar. Tchau.

O Homem do Gás

Se o homem do gás lhe reconhecer na rua e parar para falar com você, desconfie. A prestatividade desinteressada não é uma qualidade masculina. 

Sobre a abordagem a respeito das minhas necessidades de reposição, despreparada, respondi que realmente precisaria dos serviços, mas estava sem grana e ligaria se houvesse necessidade. Educadamente, solicitei o imã de geladeira simplesmente para que ele coabitasse com os demais 200 que já fazem parte da obra-istalação da minha geladeira.

Preparo minha sopinha noturna, já de pantufas (a velhice me chegou mais cedo) e eis que se apresenta em minha porta uma visita inesperada.

 - Quem?
 - Rodrigo.
 - Hã...
 - Vim trazer seu gás.
 - Não lembro de ter feito nenhum pedido.
 - Mas conversamos de tarde, lembra?
 - Tô sem grana moço.
 - Não tem problema. Paga depois.
 - Hã...

(Bem, meu banho é a gás, e, com a oleosidade dos meus cabelos, já dava pra fritar um ovo na minha cabeça...)

 - Tá bom.

Deixei a porta aberta e me assegurei de que alguém soubesse que aquele cara estava sozinho comigo na minha casa. 

 - Alô..Liquigás? O Rodrigo está aqui, certo?

A moça do cartão havia saído, mas pelo menos eles já estavam avisados. (Como se isso pudesse me ajudar!). Mas, tudo bem. 

 - Pode trocar!

Blá, blá, blá...mais uma surpresa:

 - Escuta, não rola um cafezinho?
 - Hã...

O bule estava vazio e o pó havia acabado. Ufa! Dou a ele a lastimável notícia.

 - Tudo bem. Pode ser aquele solúvel ali.

Penso rápido.

 - Não tem açúcar.
 - Pode ser adoçante.

Ele foi mais rápido.

Blá, blá, blá...e o café não descia de nível. 

 - Já foi no acampamento Farroupilha?

(hahahaha!)

 - Quê?
 - É... filar um churrasquinho...
 - Puxa! Como não pensei nisso antes...
 - Posso te convidar...

Tosse abrupta.

 - Te ligo? Sexta-feira? Tenho seu telefone.

Maldito cadastro de clientes.

 - Olha, estarei ocupada.
 - Não tem problema. Sábado então?
 - Estarei ocupada.
 - Quando então?

Jesus, me abana!

 - Acho que estarei ocupada até o fim da Semana Farroupilha. 

Bocejo e nada.

 - Bem. Acabou o café?
 - Não. Estava horrível. Detesto adoçante.
 - Ah! Então tá... né?
 - Acho que vou indo.
 
Aleluia!

Auto-conhecimento

A serenidade brota
Da umidade da terra 
Na planta dos pés
Da doçura ácida
Das laranjas
Nas papilas

Do suor salgado
Que escorre dos poros
Quando o corpo tremula
Com a sonoridade balcânica 

Das flechas luminosas
Refletidas no horizonte
Do calor
Da pele refulgente
E do colorido lisérgico dos círculos
Que se formam quando os olhos se fecham

Do cheiro verde
Da grama macia 
Contra o rosto

Que quando despido das máscaras 
Que veste sem perceber
Revela o verdadeiro eu
Por onde gravita a sabedoria
De si mesmo

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Saudade antropofágica

Injetaram em mim
A lembrança das jabuticabas
E não sei onde guardá-la

Antropofágica
Sofro a dor
E danço para libertar meu ego

Faço planos 
E abandono meus vícios
Em troca da luz do sol

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Pílulas Sórdidas



Que tipo de pessoa chora assistindo a desenho animado?

...

Na modernidade, vai-se ao cinema de óculos e obtêm-se um sorriso estonteante com 4 bisnagas.

...

Uma mulher perde a ingenuidade quando lê Milan Kundera.

...

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Oferenda

Do meu peito 
Ofereço as mariposas
Das janelas da minha alma
A lascividade
O calor
Das minhas maçãs ruborizadas


A lucidez exacerbada
A insanidade contida
A ressaca do meu mar

A mãe
A puta
E a criança abandonada

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Nexus, Plexus, Sexus

Para decidir o que fazer numa quarta-feira à noite, pode-se utilizar a teoria do "nexus, plexus, sexus".

Isso me lembra um filme que eu adoro, gentilmente apelidado pelo Bexiguinha de "As Aventuras do Barão Muntchato". Nessa magistral obra de Terry Gilliam, do Monty Python, um personagem cuja cabeça abomina as demandas de seu corpo, almeja eternamente desprender-se dele, podendo, assim, ocupar-se com coisas mais importantes. 

Pensando nessa filosofia sobre a busca pelo prazer se sobrepondo à razão, utilize sua conjunção entre o significado e o significante (plexus) para pegar seu celular e ativar sua agenda. Descole um Don Juan e siga em frente.

Chega um momento em que você vai ter que optar entre o nexus e o sexus. Isso provavelmente acontecerá quando ele tentar te seduzir utilizando Sade (quem é que convidou?) como trilha sonora. 

Optando pelo sexus, você finge que nada aconteceu e sacraliza o momento. Agora, dando um pouco mais de nexus à situação, você raxa o bico, o que ocasionará na lamentável quebra do clima. Nesse caso, volte correndo para casa, leia um livro e reflita sobre o significado da vida.


segunda-feira, 28 de setembro de 2009

(re) Criando

Na 2a
Perdi a chance de ficar calada
E criei tomates na garganta

Na 3a
Perdi as unhas
E criei falsas esperanças

Na 4a
Perdi a atenção
E criei um buraco negro no pneu esquerdo

Na 5a
Perdi o sono 
E criei um blog

Na 6a
Perdi a hora
E recriei minha vida

No Sábado
Mergulhei
Perdi o tímpano esquerdo
E a piscina veio parar dentro do meu nariz

No Domingo
Descansei

sábado, 26 de setembro de 2009

Cuidado com o Exú Gago

Quando você recebe pessoas na sua casa pra tomar umas, saiba que tudo pode acontecer. Você nem imagina, mas pode ser que algum dos seus convidados receba um Exú. Nesse caso, man (como dizia o Maçã)...prepare-se.

Essa pessoa pode ser um Exú Gago. Sim. Ele pode ser gago. Pode começar a dizer que ama você, que quer casar com você e que adoraria que você fosse a mãe dos filhos dele (imagine quanto tempo isso pode demorar se o cara for mesmo gago). Ele pode pensar que está agradando e tirar a roupa e, ainda, se sentir em casa a ponto de abrir sua geladeira e beber sua vodka russa à vontade. Aquela que você estava guardando para momentos especiais.

Pode ser um pouco pior do que isso se ele estiver de muletas e, quando você pensar que finalmente se livrou dele, ele bater na sua porta, 15 minutos depois de ter saído. Pode acontecer de você abrir a porta e ouvir ele lhe dizer que não tem condições de ir embora e lhe pedir para dormir na sua casa. E, ainda, até que ele consiga completar a frase, você perceber que ele traz nas mãos um dos copos da sua casa, recheado de vodka, é claro. (Será que é por ter que segurar a bebida que ele não consegue andar de muletas?)

Neste momento, esqueça que você é uma pessoa bacana e bata a porta na cara dele. Se você não o fizer, poderá acordar no meio da noite com gritos irreconhecíveis de uma língua que, além de gaga, está travada pelo excesso alcóolico.

Acredite, se você pedir que a pessoa se controle para não acordar os vizinhos, ela não entenderá. Estará já num outro plano e rirá de você. Talvez por achar seu idioma alienígena engraçadíssimo, ou por ter a certeza (errada) de que é muito cool ser encontrado caído no corredor abraçado na garrafa (seca) da sua vodka importada.

E se você, já sem alternativa, arrastá-lo para fora pelos pés, ele poderá lhe surpreender com gritos semelhantes ao de quem desliza do cume de uma montanha de gelo em cima de um par de esquis. Será que a solução poderia ser um Pai de Santo? Quem sabe...

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Narcisa

Cada dia em que acordo
Estou um dia mais velha

O atropelo do gordo
Vai sumindo aos poucos
Dizem que demora 5 dias...

Melhor é deixar a bike de lado por uns tempos
E arrancar a bola da garganta
Pra jogar uma pelada na beira da praia

Dormir Vênus
E acordar Narcisa

Lembranças Inconscientes

Estava grávida e grávida de novo. Conversávamos no supermercado. O escárnio com que ele me tratava fazia com que aquela pilha de latas parecessem verdadeiramente opressoras. Já estava com outra, mas gostava de mim por esporte. Não. Mil vezes não. De novo, não.

Pesquiso locações na asa de um pássaro. A vista é estonteante, e o pouso bem menos assustador do que eu imaginava que seria. Estou indo pra Salvador com minha prima índia. Não sei porque ela agora também faz filmagem. Mais um trampo no amor, mas mais um set em minha vida. E isso me dá prazer. 

Chegamos. Me sinto feliz e estaciono a ave em frente a um bloco imenso de concreto. Meus colegas me aguardam na entrada. O que eu estou fazendo ali? Ah! Agora me lembro. É a estréia de alguém. Não consigo me lembrar de quem...

Na sala do cinema, vazia, a galera parece exercitar bufão simulando francês. Jesus! Onde é que eu vim parar. O rapaz que abandona a sala de projeção acompanha os movimentos de perto. Permaneço em pé, perplexa, tentando entender o que está acontecendo. Lembro que estou (ou estive) grávida e não consigo prosseguir. Arrasto meu corpo até a melhor poltrona: a do chefe. E não estou nem aí pro que pode acontecer.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Cinema e Cigarros


"É bom fumar, né? Eu...adoro fumar. Sabe, lá em casa todo mundo fumava e ninguém morreu de cigarro. Meu marido fumava 3 carteira por dia. Eu, quase uma quando ia naqueles baile que tinha ali no Clube do Comércio, sabe? É. Qualquer hora dessa vou voltar a dar umas pitadinha... é bom, né? 

Faz anos que não fumo. Parei porque meu marido tinha parado e não gostava mais do cheiro. Mas agora que tô viúva...taí...vou voltar a fumar... 

Sabe o que eu queria? Fumá essas coisas aí...maconha, craque...hi hi hi...tu que é jovenzinha deve fumá essas coisas aí né...

Mas não é bom ser escrava de nada, né? Nem de cachorro, nem de gato - que eu adoro - nem daquelas ave que piam ... como que chama ... ave canária, que eu adoro. Adoro, mas não sou escrava. Nem disso. Eu que adoro pio ... Mas escrava não. Não é bom. Não é bom ser escrava de nada. Não é bom ser escrava nem de gente. Né?

Eu? Pedagoga. E tu? Ah! Produz o que? Cinema? Puxa! Legal ... interessante ... eu vejo muito essas coisas aí,viu? Quer dizer... eu vejo, mas eu não assisto ... vejo no jornal assim, né ... vejo falá ... mas não assisto ... bacana, hein? Interessante ... 

Tá rolando também agora esse negócio aí, né ... aqui ... De que que é? Ah! É de teatro! Sim ... é ... esse negócio aí também é bem diferenciado, né? 

E a vida é uma só..."