quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Transições

Salvem minhas mãos
Trancem meus cabelos
Aqueçam minha boca
Prendam minha respiração
E soprem meu pescoço
Balancem o meu ventre
Conservem meu sorriso 
E lambam os meu pés

Soprem meus cabelos
Prendam minha boca
E trancem minha respiração
Lambam meu pescoço
Balancem minhas mãos
Conservem meu ventre
Aqueçam meus pés
E salvem meu sorriso

Aqueçam meu sorriso
E prendam minhas mãos
Trancem meu pescoço
Salvem meus cabelos
E balancem meus pés
Lambam meu ventre
Conservem minha respiração
E soprem minha boca

Trancem meu ventre
Aqueçam meus cabelos
E salvem meu pescoço
Lambam minha respiração
Prendam meu sorriso
Balancem minha boca
Soprem meus pés
E conservem minhas mãos

terça-feira, 20 de outubro de 2009

O Sumiço Total

Negociar com São Pedro consiste em uma tarefa árdua. Cada dia que ganho corresponde a um dia que perco. Às vezes seria bom por demais ir comprar cigarros e nunca mais voltar. Todavia tenho a impressão de que tal pragmatismo só rola pra quem tem um algo a mais entre as pernas (por mínimo que seja). Pode ser cruel, mas, convenhamos, é infinitamente mais fácil. E  já que o bobo é que é feliz, uma opção seria viver a vida como uma eterna criança. O que, a propósito, me remete a uma dúvida existencial: quem foi que inventou a "geleinha"*?

* é aquela meleca, gelada que as crianças ficam atirando pra cima, deixando cair no chão, botando na boca pra tentar fazer balão porque diz que não é tóxico e acabam pegando sapinhos

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Gosto de Cereja

Estávamos todos atirados em torno da piscina, cada qual no seu colchão. Percebo um vazio repentino. Presumo que a galera foi atrás de alguma "coisa". A casa não é minha. Pra onde vou e o que faço agora? Dos que restam, não conheço nem os pêlos. Localizo uma conversa. A menina de biquini oferece ao diretor seu jogo de lentes "rabo de peixe" e o monitor "LSD" pra preencher as lacunas da lista de equipamentos. Isso me lembra alguma coisa. Um plano bem sucedido revisto no video assist provoca uma euforia coletiva deliciosa. Mas prefiro as cerejas frescas àquela conversa. Penso que o caleidoscópio é infinitamente mais belo e poético que aquele programa chato da televisão. Recorro ao erotismo do Gutiérrez e quase posso sentir o ritmo da salsa palpitando nas artérias e o cheiro másculo das cigarrilhas do meu precioso cubano. O Caribe me cairia como um luva, mas o rompante da manada hippie adentrando pela porta da garagem com as línguas para fora e os papéizinhos coloridos desmancha o castelo de areia que ergui no ar. Saio pela tangente, subindo as escadas, de cabeça para baixo, rumo ao teto. Desafio a Lei da Gravidade e ali está a saída. 

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Bittencourt

Ele era meio maluco e, já que suas protuberâncias não o favoreciam, evitava fornicações. Descontava sua impotência seduzindo garotinhas, sem antes garantir que era único em suas vidas. Mas, na verdade, transar mesmo, só com putas.

Incapaz de satisfazer as mulheres, servia-se das mais variadas desculpas para evitar o sexo. Aproveitava para desviar-se de suas responsabilidades nos momentos mais inesperados. E foi assim que, um dia, conheceu uma latina esguia, que fumava em frente à loja de conveniência.

Passaram a noite ouvindo rock e bebendo Guiness. Ficou fascinado. Desde então, encontravam-se todos os dias. Percebeu que ela era mais lasciva do que ele podia imaginar e teve medo. Não quis beijá-la antes que ela dispensasse o namorado. Ela prometeu que ia pensar.

Mesmo sem resposta, passaram a tarde seguinte derretendo no sofá da sala, efeito provocado por um chá típico, cujo conteúdo, magical mushrooms, pode ser obtido em qualquer esquina da Oxford St. Nevava, mas as calefações permitiam que os presentes estivessem com pouca roupa e que os lábios dela estivessem mornos quando tocaram os dele.

O dia passou voando, e eles tiveram que buscar mais cerveja. Já à noite, com as risadas mais controladas, decidiram recorrer a um pub. Levou seus convidados estrangeiros a um local que frequentava sempre. Fazia pouco tempo que eles haviam chegado à cidade e, por isso, nem sequer entendiam a diferença entre Queen's Park, Kilburn e Kensal Rise. Mas isso não importava. Por mais bêbado que estivesse, saberia o caminho de volta.

Em frente ao balcão de pints, Bittencourt evitava abraçá-la. Em público, isso era constrangedor demais para ele. Durante a conversa, ele se sentiu egoísta. Precisava fazer alguma coisa a respeito. Foi tomado por uma vontade súbita de gritar e subiu em cima da mesa, num brado retumbante:

 - Everybody, listen to me! You're all selfish!

E assim permaneceu enquanto as pessoas iam, aos poucos, abandonando o recinto. Já do lado de fora, anunciou que precisava avisar a todos o quanto todos eram egoístas. Saiu correndo abandonando os novos amigos no meio do nada. Eles dariam um jeito, afinal, ele tinha uma missão a cumprir: acabar com o egoísmo alheio.



O Homem do Gás III

Estou ficando especialista em tomar bolos. Faxineira, encanador, técnico em informática, etc. Nada pessoal. Acho que vou deixar de cumprir minhas promessas pro mundo ficar mais justo. Mas tem uma pessoa que não me esquece.

Após uma noite tórrida de amor, cercada por filmes franceses ("Oui, quand je t'embrasse, ça passe..."), passo por um dia repleto de reuniões. Recebo um amigo para um café e aguardo o próximo encontro de trabalho. Toca o interfone. 

 - Sim?
- Sou eu!
 
Estranho, porque ainda falta uma hora pro horário combinado. Mas só pode ser ele. Aperto o botão que libera a porta. Desta vez, não me contenho.

 - Você? De novo?
 - Estava passando aqui na frente e...

Perco a classe.

 - Rodrigo - quase íntimo já -  o que você está fazendo aqui?
 - É que...vim te avisar que você esqueceu de pagar o gás.
 -  Ah! Ok, mas você não tem meu telefone? Por que não me ligou?
 - É...

Pego o telefone, efetuo o pagamento e deixo avisado que quando eu precisar de reposição, eu aviso!  De volta ao problema em questão:

 - Gostaria que você parasse de ficar "aparecendo" todo dia na minha casa.
 - Como é que é?

Como, como é que é? 

 - O que foi que você disse?
 - Que gostaria que você não batesse todas as noites na minha porta. 
 - Tá bom. Só vim te avisar que...
 - Ok. Estamos entendidos. Boa noite.

 Ele ficou realmente surpreso de eu não ficar feliz em revê-lo. Eu morro, e não vejo tudo.

Amor Metafísico

O amor metafísico 
Beira ao ridículo
É o que me diz
O novo fascículo

Melhor sublimar
Do que andar em círculos

E o resto é piada

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O Homem do Gás II

Mais tarde, na locadora, eu em busca de um encontro com meu mais novo amante, Louis Garrel, quando recebo um telefonema de um número desconhecido.

 - Oi. 
 - Quem é?
 - Rodrigo, da Liquigás.
 - ...
 - Me dá teu msn.
 - Oi?
 - Tô aqui na frente do computador.
 - Ah! E eu estou na locadora tentando alugar um filme.
 - Ah! Então, me dá teu msn.
 - Olha, acho que não estou a fim de te dar meu msn.
 - Ah! Então me manda por mensagem.

Hello? 

 - Seguinte: não vou te dar meu msn, ok?
 - Entendi. Te mando o meu então por mensagem. Aí tu me adiciona.

Qual parte ele não entendeu?

 - Aham. Vou desligar. Tchau.

O Homem do Gás

Se o homem do gás lhe reconhecer na rua e parar para falar com você, desconfie. A prestatividade desinteressada não é uma qualidade masculina. 

Sobre a abordagem a respeito das minhas necessidades de reposição, despreparada, respondi que realmente precisaria dos serviços, mas estava sem grana e ligaria se houvesse necessidade. Educadamente, solicitei o imã de geladeira simplesmente para que ele coabitasse com os demais 200 que já fazem parte da obra-istalação da minha geladeira.

Preparo minha sopinha noturna, já de pantufas (a velhice me chegou mais cedo) e eis que se apresenta em minha porta uma visita inesperada.

 - Quem?
 - Rodrigo.
 - Hã...
 - Vim trazer seu gás.
 - Não lembro de ter feito nenhum pedido.
 - Mas conversamos de tarde, lembra?
 - Tô sem grana moço.
 - Não tem problema. Paga depois.
 - Hã...

(Bem, meu banho é a gás, e, com a oleosidade dos meus cabelos, já dava pra fritar um ovo na minha cabeça...)

 - Tá bom.

Deixei a porta aberta e me assegurei de que alguém soubesse que aquele cara estava sozinho comigo na minha casa. 

 - Alô..Liquigás? O Rodrigo está aqui, certo?

A moça do cartão havia saído, mas pelo menos eles já estavam avisados. (Como se isso pudesse me ajudar!). Mas, tudo bem. 

 - Pode trocar!

Blá, blá, blá...mais uma surpresa:

 - Escuta, não rola um cafezinho?
 - Hã...

O bule estava vazio e o pó havia acabado. Ufa! Dou a ele a lastimável notícia.

 - Tudo bem. Pode ser aquele solúvel ali.

Penso rápido.

 - Não tem açúcar.
 - Pode ser adoçante.

Ele foi mais rápido.

Blá, blá, blá...e o café não descia de nível. 

 - Já foi no acampamento Farroupilha?

(hahahaha!)

 - Quê?
 - É... filar um churrasquinho...
 - Puxa! Como não pensei nisso antes...
 - Posso te convidar...

Tosse abrupta.

 - Te ligo? Sexta-feira? Tenho seu telefone.

Maldito cadastro de clientes.

 - Olha, estarei ocupada.
 - Não tem problema. Sábado então?
 - Estarei ocupada.
 - Quando então?

Jesus, me abana!

 - Acho que estarei ocupada até o fim da Semana Farroupilha. 

Bocejo e nada.

 - Bem. Acabou o café?
 - Não. Estava horrível. Detesto adoçante.
 - Ah! Então tá... né?
 - Acho que vou indo.
 
Aleluia!

Auto-conhecimento

A serenidade brota
Da umidade da terra 
Na planta dos pés
Da doçura ácida
Das laranjas
Nas papilas

Do suor salgado
Que escorre dos poros
Quando o corpo tremula
Com a sonoridade balcânica 

Das flechas luminosas
Refletidas no horizonte
Do calor
Da pele refulgente
E do colorido lisérgico dos círculos
Que se formam quando os olhos se fecham

Do cheiro verde
Da grama macia 
Contra o rosto

Que quando despido das máscaras 
Que veste sem perceber
Revela o verdadeiro eu
Por onde gravita a sabedoria
De si mesmo

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Saudade antropofágica

Injetaram em mim
A lembrança das jabuticabas
E não sei onde guardá-la

Antropofágica
Sofro a dor
E danço para libertar meu ego

Faço planos 
E abandono meus vícios
Em troca da luz do sol

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Pílulas Sórdidas



Que tipo de pessoa chora assistindo a desenho animado?

...

Na modernidade, vai-se ao cinema de óculos e obtêm-se um sorriso estonteante com 4 bisnagas.

...

Uma mulher perde a ingenuidade quando lê Milan Kundera.

...

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Oferenda

Do meu peito 
Ofereço as mariposas
Das janelas da minha alma
A lascividade
O calor
Das minhas maçãs ruborizadas


A lucidez exacerbada
A insanidade contida
A ressaca do meu mar

A mãe
A puta
E a criança abandonada